No último dia 26, o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID) foi lançado em Brasília. A iniciativa do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) visa aprimorar as políticas públicas sobre drogas no país. O evento reuniu autoridades, especialistas, pesquisadores e membros da sociedade civil, entre eles Rafael West, representando a Escola Livre de Redução de Danos, para debater o cenário das drogas no Brasil.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, demarcou a importância do OBID como um instrumento para a formulação de políticas públicas baseadas em evidências científicas. Ele ressaltou que o observatório irá centralizar e divulgar dados com transparência e acesso à informação. Para Lewandowski, “Esses dados não podem ser apenas de uso restrito das autoridades de segurança”.
A secretária Nacional de Políticas sobre Drogas, Marta Machado, apresentou as funcionalidades do OBID, que incluem um painel de dados com informações sobre prevalência do uso de drogas, saúde, segurança pública e justiça criminal. Ela destacou que o observatório irá monitorar a efetividade das políticas públicas e identificar áreas que necessitam de maior atenção.
Pesquisadores e especialistas apresentaram estudos sobre o consumo de drogas no Brasil, abordando temas como o uso de cigarros eletrônicos entre jovens, o impacto das apostas online na saúde mental e o perfil das vítimas de morte violenta relacionadas ao uso de substâncias psicoativas.
Entre as novidades:
O OBID irá reunir dados de diversas fontes, incluindo pesquisas científicas, órgãos de segurança pública e sistemas de saúde, para fornecer um panorama completo sobre o cenário das drogas no Brasil.
A plataforma irá disponibilizar informações atualizadas e confiáveis para gestores públicos, pesquisadores e a sociedade civil, contribuindo para o debate informado sobre políticas de drogas.
O MJSP anunciou a criação do Selo OBID, que irá reconhecer iniciativas inovadoras em políticas sobre drogas, incentivando a implementação de práticas baseadas em evidências. "O Brasil acumula muitos erros históricos na política de drogas, então superar o achismo e fortalecer ações baseadas em evidências é fundamental e o Observatório é um importante instrumento para isso." Enfatizou Rafael West.
Bets, DEFs x juventudes periféricas brasileiras
Dados trazidos pelo OBID através do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad III) revelam que mais de um terço dos jogadores de apostas (38,6%) enfrenta riscos significativos ou já desenvolveu transtornos relacionados ao vício. A situação é ainda mais preocupante entre os adolescentes, onde mais da metade (55,2%) dos apostadores entre 14 e 17 anos se encontra nessa zona de vulnerabilidade.
Além disso, os jovens também se destacam no consumo de Dispositivos Eletrônicos de Fumar (DEFs), os chamados cigarros eletrônicos. Pelo menos 77,6% dos usuários de DEFs apontaram que o dispositivo não ajudou a abandonar o vício com o cigarro comum.
DEFs: Mais Velozes e muito mais Furiosos em Danos à Saúde
Curiosidade, saborização e percepção de inocuidade foram os motivos mais apontados pelos jovens para o uso de cigarros eletrônicos no Brasil. Esses dispositivos acabaram se tornando o alívio, a descompressão para dias e noites difíceis numa fase da vida cheia de incertezas e emoções complexas.
O preço da relação DEFs x Juventudes é alto: cardiologistas e outros pesquisadores e profissionais da saúde tem apontado um aumento na entrada de pessoas entre 20 e 25 anos com problemas respiratórios graves devido ao uso indiscriminado dos cigarros eletrônicos, que contém sal de nicotina, substância cinco vezes mais forte que a nicotina encontrada em cigarros comuns. E o mais desafiador para a efetivação do tratamento é a dificuldade dos jovens em parar ou mesmo diminuir o consumo esse tipo de dispositivo, que os acompanham como se fosse uma extensão de si: de ambientes sociais como a escola, os bares, as ruas até locais privados, a exemplo dos banheiros ou embaixo do travesseiro durante o sono.
Proibidos no Brasil desde 2009, os cigarros eletrônicos entraram no Brasil como alternativa para largar o cigarro tradicional, porém em pouco tempo tornaram-se uma onda gigantesca, difícil de conter. São mais de 3 milhões de pessoas com algum grau de dependência.
Segundo Jaqueline Scholz, cardiologista especialista em tabagismo, um dos focos para conter e diminuir a ação dos DEFs é apostar em campanhas produzidas pelo governo federal e demais gestões executivas dos estados brasileiros. No entanto o lobby no Senado Federal para regulamentar esses dispositivos com o argumento de que podem contribuir para arrecadação de impostos tem gerado discussões acirradas no parlamento e entre profissionais de saúde.
O Projeto de Lei 5008/2023 de autoria da senadora Soraya Tronik (Podemos), propõe regulamentar os DEFs com foco na indústria, comercialização e tributação. Porém, especialistas argumentam que o dinheiro arrecadado com os impostos seria inversamente proporcional aos danos adicionais causados à saúde pública, o que provocaria um colapso ainda maior no sistema, que já enfrenta diversos desafios.
Em nota, a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia argumenta que “o uso de cigarro eletrônico foi associado como fator independente para asma, aumenta a rigidez arterial em voluntários saudáveis, sendo um risco para infarto agudo do miocárdio, da mesma forma que o uso de cigarros tradicionais diários” e desconsidera qualquer plano de regulamentação do dispositivos no Brasil. A nota completa você acessa AQUI.
No último dia 23, a página de notícias do Senado Federal anunciou que o PL 5008/2023 está pronto para votação na Comissão de Assuntos Econômicos. Na sequência a proposta deve passar pelas comissões de Transparência, Fiscalização e Controle (CTFC) e de Assuntos Sociais (CAS).
O Galope Desordenado das Bets no Brasil
O alerta em relação às Bets já havia sido emitido em 2024, quando o Ministério da Justiça divulgou o avanço da procura por tratamento para dependência em jogos de aposta online. Os dados evidenciaram praticamente o dobro em relação ao período anterior: mais de 2.400 atendimentos foram feitos até julho do ano passado, contra 1.290 em todo o ano de 2023.
Especialistas da área de saúde estimam que pelo menos 3 milhões de pessoas, especialmente jovens periféricos, estão enfrentando problemas emocionais e financeiros devido à dependência nos jogos. A expectativa em relação à subnotificação pode elevar ao dobro esses números, isso porque o Brasil lidera o 1º lugar no ranking de países com mais acessos a plataformas de jogos de aposta online, conforme o estudo realizado pela revista The Lancet, divulgado em 2024.
Em Pernambuco, a história do caruaruense que perdeu cerca de R$ 50 mil em apostas online viralizou no estado e é um exemplo prático disso. Conhecido como Chefe Lucas Fernandes, o influenciador digital decidiu apostar no jogo do Tigrinho e teve prejuízos sucessivos. Em vídeo nas redes sociais, desabafou: “Não entra, não deposita teu dinheiro, a tendência é só perder”.
O jogo do Tigrinho, assim como outros modelos de jogos de aposta online, se popularizou no Brasil a partir de uma abrangente estratégia de marketing que utilizou influenciadores digitais famosos no país para validar a prática, a exemplo de Carlinhos Maia. Com mais de 35 milhões de seguidores, o alagoano, oriundo do município de Penedo, fez fortuna ao usar da própria condição de pobreza na comunidade da Vila Primavera, onde morava, como trampolim para o sucesso e consequente patrimônio estimado em R$ 300 milhões, segundo O Globo.
Em seu contrato com a Blaze, plataforma de apostas com sede em Curaçao, no Caribe, Carlinhos recebe R$ 40 milhões por ano, de acordo com a revista Piauí em janeiro deste ano. Em 2023, a Polícia Civil de São Paulo iniciou uma investigação sobre a plataforma após denúncias de usuários dos jogos. Ao ter seu nome exposto, o influenciador disparou: “Se eu disser pule do penhasco, você vai pular? Não! Você joga porque quer!", se eximindo de qualquer responsabilidade sobre a influência que produz em seus seguidores. “Eu divulgo, mas nunca joguei”, encerrou com essa pérola, quase um Bill Clinton e a famosa frase “fumei, mas não traguei”.
Além dele, outras figuras em evidência, como as influenciadoras Gkay e Mel Maia, o ator Cauã Reymond e o jogador Neymar, também figuram entre os maiores divulgadores de jogos de apostas online no Brasil. Ainda segundo a reportagem da Piauí, a influenciadora e apresentadora do SBT, Virgínia Fonseca, assinou em 2022 um acordo no mínimo curioso com a plataforma de jogos Esportes da Sorte: a artista recebe 30% sobre o valor de cada aposta perdida, ou seja, enquanto a pessoa aposta para ganhar, ela torce para que ela perca, no estilo mais brutal do capitalismo. Em apenas um story de divulgação em seu perfil, que acumula mais de 50 milhões de seguidores, ela atraiu de uma só vez pelo menos 120 mil novos apostadores para a empresa. O lucro é certeiro: mas para quem e a que custo?
População Periférica é a Mais Afetada
Enquanto subcelebridades e jogadores de futebol aumentam seus patrimônios, já exorbitantes, através da influência que exercem sobre a população para angariar mais adeptos para os jogos de azar online, a população se endivida, adoece e se desespera. É nesse ponto que a dependência aumenta e o jogo deixa de ser uma diversão para tornar-se uma obsessão pela recuperação do investimento perdido, que nunca volta.
É como jogar ao contrário: ganhar para perder. Perder o bom senso, as economias, a autonomia, até tornar-se uma patologia com consequências negativas para a saúde mental, a exemplo de quadros profundos de ansiedade, isolamento social e depressão causados por endividamento, aumento da pobreza, do envolvimento com o crime, violências e outras mazelas trazidas pelas apostas mal sucedidas.
O estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas Favela Diz constatou, através de entrevistas realizadas com 1.352 moradoras/es de comunidades periféricas, que 70% fazem uso de apostas online e desse universo, pelo menos metade afirma jogar todos os dias. A faixa etária predominante entre as/os apostadoras/es é de 18 a 34 anos de idade.
A grande maioria, 63%, passou a apostar motivada por propaganda disponível em larga e massiva escala nas redes sociais e outras mídias. O estudo também apontou que 53% diminuiu seu poder de compra em lojas locais, ao passo que os gastos com as apostas giram em torno de R$ 150,00 (39%) a R$ 300,00 (30%) por mês.
Já a plataforma Futuros Possíveis, em parceria com a Opinion Box e Afro Esporte, apontou no final do ano passado que 40% dos apostadores online são pretos e pardos das classes C, D e E.
As Bets são uma epidemia, e é preciso assim identificá-las
A epidemia de apostas online no Brasil escancara um paradoxo social e político: a estigmatização de certas substâncias, como a maconha, contrasta com a permissividade em relação aos jogos de azar online. Essa discrepância se manifesta em diversos aspectos e diz muito sobre nosso país.
Até porque os problemas relacionados à história da relação dos jogos de azar e o mercado paralelo brasileiro já é de conhecimento geral, a exemplo do surgimento do jogo do bicho e todo engendramento de uma complexa cadeia que orbitou em seu entorno, como o tráfico (seja de substâncias psicoativas e/ou armas), a criminalidade, violências e disputas de territórios entre facções e mercados paralelos que essa prática envolveu. No fim e ao cabo, os jogos de azar sempre tiveram essa relação assimétrica com os padrões da justiça brasileira.
Pensar numa abordagem em que se considere, de fato, a necessidade de uma política de redução de danos nesse contexto é dar um passo importante para mitigar seus efeitos na vida de uma fatia significativa da população.
Fique por Dentro
A Lei das Bets até aqui
A regulamentação das apostas esportivas no Brasil teve seu início com a Lei nº 13.756 de 2018, dois anos após o golpe político civil que retirou a ex presidenta Dilma Rousseff e acelerou a escalada da extrema direita com o desgoverno Temer, que abriu caminho para a legalização das apostas de quota fixa, principalmente as esportivas.
Essa lei estabeleceu que a atividade seria explorada como um serviço público em ambiente concorrencial mediante autorização do Ministério da Fazenda.
Posteriormente, a Lei nº 14.790 de 2023 veio para regulamentar de forma mais específica essa modalidade no Brasil, definindo regras para o funcionamento do mercado, estabelecendo diretrizes sobre quem pode operar, como as operações serão fiscalizadas e as condições de atuação das plataformas de apostas. Além da temática esportiva, as apostas de quota fixa passaram a abranger eventos virtuais de jogos online.
Atualmente, o Ministério da Fazenda é o órgão responsável por regulamentar e fiscalizar o setor. As empresas que desejam operar no mercado de apostas esportivas precisam obter uma licença do órgão e cumprir uma série de requisitos.
Desde janeiro deste ano, a exploração de apostas de quota fixa sem autorização do Ministério da Fazenda tornou-se ilegal.
São proibidas as apostas envolvendo pessoas de idade inferior a 18 anos, atletas de categorias de base e eventos esportivos escolares e amadores. Há também medidas de proteção ao consumidor, como a obrigatoriedade de cadastro na plataforma consumidor.gov.br e a oferta de canais de atendimento e tributação, onde as empresas de apostas esportivas serão tributadas sobre o faturamento bruto.
Jogos de azar como bingos e cassinos continuam proibidos no Brasil, exceto em casos de monopólio estatal.